SOBRE VIVER

SOBRE VIVER

Voo da madrugada, Lisboa. Embarquei no avião e me acomodei na poltrona 27C, na saída de emergência. Entre os últimos a entrar, uma senhora se sentou ao meu lado. Era a primeira vez que ela voava. Vi que ela estava um pouco perdida com a mochila e a ajudei a guardá-la no compartimento de bagagem.

Mal me ajeitei, ela já pedia outra manta, enquanto eu tentava pegar no sono. O frio do vento que vinha da porta de emergência a incomodava. Só fui entender sua necessidade durante o jantar, servido algum tempo depois da decolagem.

Voar para longe de casa é sempre difícil. Naquele dia, não fui capaz de comer muito. Peguei no sono de novo, daquele tipo que a gente só acorda quando a cabeça despenca do pescoço. Já com muitas horas de voo, a apenas uma hora de chegarmos ao destino, abri os olhos. Foi quando a viajante de primeira viagem me disse, sorridente:

Bom dia, guardei seu lanche do café da manhã.”

Ela, mestra; eu, discípulo. Naquele momento, entendi que a rotina nos rouba a surpresa das primeiras vezes. Pouco a pouco, vamos perdendo o olhar inocente, a ansiedade de conhecer e de aprender. Há um momento em que a vida parece não nos surpreender mais, e é justamente quando nos sentimos surpreendidos pelo imenso vazio dos dias que existem, mas não são vividos.

Viver jamais pode ser reduzido ao simples fato físico ou biológico de existir. Nossa história não é feita de dias que se acumulam, e sim daqueles em que aprendemos, caímos, levantamos, rimos, choramos. Na trama da vida, cada dia é um novo dia para viver, para ser a soma, o fruto do que o tempo e nossas escolhas fizeram de nós.

Já com o avião em terra, fez todo o sentido para mim entender que cada dia vivido não pode ser apenas mais um dia. Ele é, sempre, um novo dia, para nos deixar ser surpreendidos por cada milésimo de segundo que nos faz acreditar no humano e na vida. Quando fazemos uma ação que impacta positivamente alguém, a reação não é outra a não ser a de também fazer o bem.

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